quarta-feira, 12 de maio de 2010

SEMEADURA DE ALGUNS, FRUTOS DE TODOS



Mateus Fernande de Oliveira

QNM 40, Conjunto L, Casa 08, Quarto conjugal, M-Norte, Taguatinga – DF, 20 horas e 59 minutos. La fora chove, finalmente, depois de vários dias. Amenizar-se o calor, a baixa umidade, meu pé de pimentas vermelhas agradece. As janelas estão fechadas e as portas também. Estou seguro, aqui está agradavelmente confortável. Ameaça que vejo é o cigarro apagado no cinzeiro. Mas vou acendê-lo agora. Pronto. E como é bom fazer o que se gosta! Acabo de ver outro perigo que se aproxima... era minha gata, uma pêlo-curto, mas tudo bem, foi-se e está mordiscando sua ração. Não sei se toma consciência do fenômeno da chuva... se puramente vive o instante chuvoso.

Dou sempre um trago e sopro na tela do monitor. Faço isso por hábito. Enquanto digito penso em um e em outro interlocutor. Não sei onde moram, mas meu pensamento tende ao norte, para onde imagino estejam. Será que chove onde estão? Como estarão? Sentados? Mãos nos joelhos? Fazendo amor? Sonhando?

Onde quer que estejam ou como, sei de uma coisa: esperam pelo amanhã. Como aqui se faz.

21 horas e 15 minutos. A chuva persiste. A gata ronrona. Meu cigarro acabou. Será que influo sobre tais fatos? Sobre as horas: não. Sobre a chuva: não sei. Sobre o ronronar: a gata não diz e não rogo o direito. O fim do cigarro: certamente, já que o queimar é resultado do fogo que provoquei. Para comprovar acendo outro. Funciona.

Um jovem foi morto pela polícia. Uma criança estuprada pelo padrasto. Alguém está sentido fome. Outro, frio. Outro medo. Será que influo sobre tais fatos? Qual a relação entre as coisas?

Dá medo saber demais. Inteligir sobre mim me põe diante de você. Por isso dá medo... saber que você é tantos. ligados por correntes. Serei eu também, plural? Um eu feito nós?

Não sei até onde ou sobre quê influo. Dessa forma estou sujeito àquilo que independente de minha vontade influi sobre mim. E faço nossa a chuva e seu cheiro, que é bom. O ronronar da gata, que é profundo. O tempo? Temos consciência que é nosso. O cigarro é meu! Digo que é meu porque não têm culpa de minha fraqueza e porque sou egoísta. Assim o como podem ser 268 professores da Universidade de Brasília, influindo sobre nós. Um nós que está para além do eu e do tu.

Há quem goste de chuva, porque é democrática. Há quem goste de cigarros, porque é íntimo. Há quem goste do eu, pessoalmente. É gostar tanto do eu, mas precisar do ele. Mas, sobretudo é um gostar do ilusório eu. Amar o eu! Ver o eu completo e repleto. Tanto que tanto de mim se faz precisar, por boa intenção e por caridade. É precisar de mim para depositar o que sabem... nos querem iluminar com o saber que acreditam deles... e têm boas razões. O tempo vibra.

O Pré-sal está por ser explorado. Mais uma hidrelétrica para ser construída. A ferrovia Norte-Seul em vias de inauguração e precisam nos capacitar para mentes de obra, mentes comandantes de gentes-mãos-de-obras que acriticamente explorarão a Terra e seus recursos. É preciso o eu deles transbordantes de ansiedade por nós para nos habilitar como ordenhadores dos milhões de seios fartos da Mãe Terra.

21 horas e 40 minutos. Cessou a chuva. Abri as janelas porque paira a sensação de segurança. A gata alinha sua preferida veste de sempre: o pelo feio-belo com que nasceu. Mas ela não tem opção. Logo sai, vadia como sempre. Diante de certas irresponsabilidades podemos rir. Vou dormir com as janelas abertas. O perigo não está na pimenta, mas dentro de mim. Quer saber? Vou acender não o terceiro, mas o quarto cigarro. E faço isso porque meu eu me permite à irresponsabilidade.

 
Taguatinga 10/05/10

Agradeço a um número: 261

Um comentário:

*Vivis* disse...

Mateuzera, bela reflexão! Seu texto está muito legal! Sei que ele remete à questões mais profundas, mas não posso evitar o pensamento repetitivo...rs

A relação entre o que leva os 268 a fazer essa opção, está relacionada a mesma linha tênue que te faz acender mais 1, 2, 4 cigarros: satisfação de uma vontade imediata, pouca ou nenhuma visão do futuro.

O cigarro é seu, o pulmão é deles...

"O tabaco é a segunda maior causa de morte no mundo, em torno de 5 milhões ao ano. Metade dos fumantes – cerca de 650 milhões de pessoas - vão morrer por causa do tabaco, atualmente responsável por uma entre 10 mortes de adultos no mundo. Se nada for feito para controlar a epidemia, estima-se que serão 10 milhões de mortes por ano em 2025. O tabaco é ainda o quarto maior fator de risco mundial para doenças. Os custos econômicos do uso de tabaco são igualmente devastadores e tem causado uma perda líquida global de US$ 200 bilhões por ano, sendo um terço desta perda em países em desenvolvimento. Além dos gastos com tratamentos de doenças, o tabaco mata pessoas em fase produtiva, privando as famílias de terem como se sustentar e as nações de uma mão de obra saudável. Os usuários de tabaco também são menos produtivos enquanto vivos."

É muita grana, que poderia ser investida em outras coisas....
É muito sofrimento que poderia ser evitado.


"QUANDO UMA BORBOLETA BATE AS ASAS NA CHINA HA UM TREMOR DE TERRA NO OUTRO LADO DO MUNDO"