quinta-feira, 13 de maio de 2010

“Não venha falar por nós, Kátia Abreu”



Por Renata Camargo
Do Congresso em Foco

A agricultura familiar deu nesta semana um recado direto à presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), e seus companheiros de bancada. Num ato de protesto e desabafo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) entregou a parlamentares da bancada ruralista um manifesto que, nas entrelinhas, diz: “parem de falar em nosso nome”.

Intitulado “Agricultura familiar não é igual à agricultura patronal”, o documento vem num momento importante e pode mudar os rumos da discussão sobre o Código Florestal brasileiro, que segue em ritmo acelerado no Congresso, ou até mesmo alterar o resultado nas urnas em outubro.

É que, de olho no farto eleitorado advindo da agricultura familiar – segundo IBGE, são 4,36 milhões de pequenos produtores no país –, deputados e senadores que, na prática, representam grandes proprietários rurais têm levantado a bandeira em defesa dos pequenos.

Entre outras coisas, os ruralistas defendem a unidade da agricultura e dizem que o setor agropecuário deve ser tratado com um só. Benefícios para pequenos e menos providos economicamente, portanto, devem ser estendidos também aos grandes exportadores, por uma questão de justiça entre iguais.

Na seara ambiental, dizem, por exemplo, que os agricultores familiares não têm condições de recompor áreas desmatadas e que, dessa forma, as normas que exigem esse reflorestamento devem ser abolidas da lei pelo bem comum.

Mas, com esse manifesto, a Contag parece ter decidido soltar o verbo e, pelo que tudo indica, está disposta a gritar pelos quatro cantos do país que CNA e ruralistas não representam politicamente os pequenos agricultores.

Entre outras coisas, a entidade ressaltará que a diferença entre grandes e pequenos é “gritante, ainda em que se pese o esforço da maioria da bancada ruralista em tentar vender a ideia de que na agricultura e na produção” todos são iguais.

“A CNA não representa o agricultor familiar. Isso não existe. Por isso existem duas confederações de agricultura no Brasil: a CNA, que representa a agricultura patronal, e a Contag, que representa aqueles que tiram do seu próprio suor o seu sustento da terra. Em hipótese alguma a CNA pode levantar a bandeira dos pequenos agricultores”, defendeu a vice-presidente da Contag, Alessandra da Costa Lunas.

Eleições

Essa confusão de papeis de pequenos e grandes tem, sobretudo, um cunho eleitoreiro. É estratégico para alguns parlamentares defender que todos os produtores rurais são iguais em direitos e deveres. Logo, um pequeno agricultor nas urnas pode legitimar sua representatividade votando em um político que, simplesmente, defende o setor agrícola, independente de qual lado da agricultura esse candidato está.

Segundo a vice-presidente da Contag, enfatizar as diferenças entre grandes e pequenos produtores será o grande mote do Grito da Terra Brasil deste ano, mobilização que pauta as principais reivindicações da agricultura familiar.

O manifesto entregue ontem (12) a ruralistas é apenas o primeiro passo para esclarecer “uma certa confusão provocada, especialmente, por falas equivocadas da senadora Kátia Abreu e propagandas tendenciosas mostradas na TV”.

Entre as falas equivocadas, Alessandra aponta as declarações em que a senadora defendeu o fim da distinção entre agricultura empresarial e familiar, sob argumento de que não pode haver a polarização entre “a agricultura do mal e do bem” – sendo a do “mal”, a patronal, e a do “bem”, a familiar. A posição de Kátia Abreu tomou maiores proporções na semana passada com a crítica a uma pesquisa do IBGE, que enfatizou a importância da agricultura familiar no cenário rural brasileiro.

Enquanto o IBGE fala em 4,36 milhões de agricultores familiares no país, responsáveis por 38% do Valor Bruto da Produção (VBP), Kátia Abreu, baseada em pesquisa da FGV encomendada pela CNA, fala em 3,33 milhões de pequenos produtores, representando 23% da produção. No conjunto do setor agrícola, quanto menor o grupo de pequenos agricultores, maior o número de médios e grandes – sendo esses últimos representados pela CNA –, o que leva a compreender, em parte, a posição da senadora.

A agricultura familiar, segundo o livro “Combatendo a Desigualdade Social – O MST e a Reforma Agrária no Brasil”, de Miguel Carter, é responsável por 92% da produção da mandioca na economia brasileira; por 88% da produção de carne de frango e ovos; por 85% de banana; por 78% de feijão e por aí vai. A importância da agricultura familiar, portanto, é indiscutível, ainda que sua real representatividade no Congresso esteja longe do ideal.

Certamente, como defende Kátia Abreu, não é razoável estabelecer um jogo de mocinhos e bandidos entre pequenos e grandes agricultores. Cada grupo tem seu papel e relevância no cenário nacional. Mas também, ao contrário do que propõem muitos dos parlamentares da bancada ruralista, não é plausível que interesses comerciais de agroexportadores usem como escudo a agricultura familiar. É preciso sim reconhecer que há no país agriculturas com objetivo, essência e oportunidade diferentes. Portanto, não ache que é qualquer um que pode sair por aí falando em nome dos pequenos...

(Foto - Contag)

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