sexta-feira, 19 de junho de 2009

[Itália] Greenpeace: a ambigüidade de uma ONG




Com quase quarenta anos de experiência e com sedes estáveis em quarenta países do mundo, o Greenpeace demonstra ser a multinacional eco-pacifista mais famosa do planeta. Numa perspectiva de liberação sócio-ambiental, oferecemos algumas reflexões críticas sobre a prática e a modalidade de ação deste gigante do ambientalismo.

Com 2 milhões e 800 mil sócios, entre cidadãos de base e entidades sem fins lucrativos, a organização não aceita dinheiro nem de governos nem de grandes empresas, a fim de manter sua independência e imparcialidade. Mas está também imersa no mercado mundial e sujeita às leis e às lógicas mercadológicas. Esta sua característica de estar com um pé nas lutas ambientais, com ações e outras coisas mais, e outro nos serviços de contratação dos governos e das grandes empresas, mesmo que seja para o desenvolvimento da tecnologia verde e para salvaguardar o meio ambiente, o une, sem concessões, a este sistema capitalista gerador de toda a problemática contra o que ele mesmo combate.

A ação do Greenpeace se baseia em poucos, mas fundamentais temas, entre eles a luta contra as usinas nucleares, o carvão mineral, o uso de organismos geneticamente modificados, o desmatamento e outros mais. É notório que a política do grupo se centra na realização de grandes ações espetaculares com o objetivo de atrair, o tanto quanto possível, a atenção dos meios de comunicação sobre temas particulares, apresentando aos cidadãos a iniqüidade de determinadas opções político-ambientais.

Estas ações podem ser complexas e perigosas, e cada ativista é provido de material e preparação técnica necessária para que tudo corra bem. Da roupa ao material de escalada, cada detalhe é organizado e financiado de maneira que não se deixe nada à sorte do acaso e assim se reduzam os riscos ao mínimo.

Visto de fora, o Greenpeace pode parecer que não vai mais além da luta ambiental e pacifista, enchendo de protagonismo o ativista comum que cheio de energia embarca em um navio zodiac para enfrentar as maléficas multinacionais, mancha de tinta os petroleiros, navega pelos mares ou se acorrenta com o/as companheiro/as em uma central nuclear.

Mas além do desejo de lutar na primeira linha de combate, da notícia nos meios de comunicação, existe uma realidade tremendamente hierarquizada que reduz o campo de ação à um círculo de temas muito restrito, minimizando a iniciativa local e se relacionando com o/as ativistas de base com critérios nada diferentes dos que podemos encontrar entre um trabalhador e um diretor empresarial. Da sede central de Amsterdã partem as decisões dos dirigentes sobre qualquer tema, das campanhas a serem realizadas aos métodos de ação, e chegam até os grupos locais, espalhados um pouco por todo o mundo, que levam à pratica as decisões tomadas na cúpula.

Cada grupo local trabalha ao redor dos mesmos temas e o método é “a união faz a força”, que podia ser muito bom se não fosse por alguns defeitos essenciais que reduzem a potência aos efeitos. O Greenpeace, por exemplo, não leva em conta, nem um pouco, os problemas das realidades locais, das pequenas e grandes desgraças político-ambientais das comunidades nas quais está inserido. Nestes tempos absurdos em que é difícil estabelecer uma relação entre áreas extremas com temas como a ecologia e o meio ambiente, o Greenpeace evita lutar na batalha das comunidades locais, que são as que se manifestam mais próximas, que nos tocam de perto e nos faz sentir parte da luta. Por isto é fácil de compreender porque uma realidade tão eco-pacifista não se encarnou nos milhões de comunidades em luta ao redor do mundo.

Também está claro que o Greenpeace dificilmente terá muita agilidade em propor seus temas aos cidadãos de Nápoles que suportam pela enésima vez o escândalo do amianto e o regime militar. Igualmente será difícil de consolidar em Vicenza um grupo local frente ao silêncio do Greenpeace sobre a devastação ambiental (para não falar das manobras políticas) que acontecerá em Del Molin. O mesmo pode se dizer dos milaneses, que terão muito trabalho para conseguir acabar completamente, de cara, com a inauguração da Expo 2015. E os exemplos se acumulam nos múltiplos desastres ambientais que devastam os territórios até agora desprezados pelo Greenpeace. Está claro como uma organização de tal envergadura econômica poderia se relacionar com todas as comunidades em luta do mundo, criando um sistema de contestação e de apoio mútuo muito superior à suas forças atuais.

Mas a política do grupo não contempla o chamado à ação cidadã, à sensibilização das pessoas, à colaboração com o resto do mundo do associativismo. Falta uma clara referência à participação popular para a resolução dos problemas ambientais e, em conseqüência, frente à impossibilidade, na prática, de bloquear minas com grandes gestos e grandes manchetes, falta a retroalimentação cidadã que com sua ação direta poderia continuar as mobilizações e as ações.

Falta uma clara correlação entre as causas e os problemas que se buscam afrontar. Como sempre, o dinheiro e o poder são os responsáveis pelas opções políticas mais desastrosas, como o uso da energia nuclear ou do carvão mineral. E atrás de certas opções existem nomes e sobrenomes que se movem somente pelo poder e benefício. Nomes e governos que dificilmente a multinacional verde se oporá.

Através do uso de um ecologismo light, sempre escandaloso e nunca profundo, se cria uma sensação de distância entre o problema enfrentado e as pessoas que os criaram. Problema, este último, gerador de disfunções psicológicas dificilmente superáveis, como o profundo sentimento de impotência e de distância às questões afrontadas.

Não podemos julgar em um contexto separado a luta ecologista das outras lutas porque cada uma delas forma parte de uma grande rota de libertação que, incompleto, tenderá a recriar os mesmos conflitos.

Marco Rizzato

Fonte: “Umanità Nova”, semanário da Federação Anarquista Italiana (FAI)

Tradução > Marcelo Yokoi

agência de notícias anarquistas-ana

Vaga-lumes voam

giram círculos no lago —

Dezenas de luzes...

Rosangela Aliberti

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