segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

VEJAM COMO A LUTA É DESIGUAL!!! TOMBOU A PRINCIPAL LIDERANÇA QUILOMBOLA DO RECÔNCAVO BAIANO

Sr. Altino da Cruz faleceu dia 18 de dezembro, pela manhã, aos 60 anos de idade,
enquanto trabalhava na sua roça. Ele não resistiu à notícia de que o juiz Fábio Rogério França, da 11ª vara da justiça federal, concedeu uma liminar de reintegração de posse solicitada pela fazendeira Rita de Cassia Salgado de Santana exigindo que este retire a roça que cultiva a mais de 40 anos e foi herdada de seus pais. Utilizando-se de má fé, a fazendeira levou o juiz a concluir que trata-se de uma ocupação recente quando é notória pela comunidade e pelos dados apresentados nos autos que trata-se de uma comunidade tradicional.

Na segunda e terça feira desta semana, o Sr. Altino da Cruz, acompanhado de outros membros da comunidade quilombola, esteve fazendo uma romaria por diversos órgãos públicos denunciando a situação e exigindo providências. Na segunda feira os representantes da comunidade estiveram no INCRA, na SEPROMI e no IBAMA. Na terça, voltaram ao INCRA e estiveram na Polícia Federal, entidade encarregada de cumprir a
reintegração de posse. Na quarta feira Altino voltou pra casa visivelmente abatido e inconformado com a ameaça de sair da roça que herdou dos pais e na qual trabalha por mais de 40 anos.

Pela manhã, enquanto trabalhava em sua roça, Sr. Altino da Cruz deu um forte grito e tombou no chão. Foi Levado em um carro de mão por seus companheiros até o posto de saúde da vila de São Francisco do Paraguaçu e já chegou morto.

QUEM MATOU ALTINO DA CRUZ?

A comunidade de São Francisco do Paraguaçu é um grande símbolo da resistência do povo quilombola no Brasil. Historicamente explorada por grandes fazendeiros do Recôncavo Baiano, especialmente pela família Santana, tem sido vítima dos mais violentos ataques desde que foi reconhecida como comunidade remanescente de quilombo.

As agressões são originadas também pela família Diniz que recentemente implantou uma RPPN dentro do território da comunidade Remanescente de Quilombo. Esta família tem usado a RPPN para captar recursos de órgãos estaduais e federais e tem sido alvo de investigação sobre irregularidades, o que levou a suspensão de projetos em andamento e impediu a liberação de mais recursos.

Assim, as agressões e ataques foram concentrados sobre Sr. Altino da Cruz, a principal liderança da comunidade remanescente de quilombo. A comunidade foi vítima de várias ações de pistolagem e violência policial como constatado em relatório oficial do Polà­cia Federal. Policiais armados invadiram a casa de Sr Altino da Cruz causando constrangimento e indignação a toda comunidade. A aliança entre os Santana e os Diniz, em conjunto com interesses ruralistas nacionais, articulou uma reportagem produzida pela Rede Globo de televisão que foi provada ser fraudulenta através de sindicâncias de órgãos oficiais como IBAMA, INCRA e Fundação Cultura Palmares. Desde então, a luta da comunidade Remanescente de Quilombo Sà£o Francisco do Paraguaçu evidenciou-se como um símbolo da luta quilombola no Brasil e a
comunidade tem sido alvo de freqüentes processos judiciais. A atual estratégia adotada pelos fazendeiros é impetrar sucessivas ações individuais de reintegração de posse para confundir o judiciário.

O que o Movimento dos Pescadores e Quilombolas do Recôncavo tem a dizer para Elba Diniz, Lu Cachoeira e sua família Santana que a morte de Sr.Altino da Cruz não trará desânimo para a luta do povo quilombola. Pelo contrário, fecundará a terra onde nascerão muitas flores para embelezar a grande mesa no dia da festa da titulação no nosso território.

Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG
Membro do Grupo de Trabalho sobre Regularização de Territórios Quilombolas de Minas Gerais (GT RTQ-MG)
Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da UFMG (NUQ/UFMG)
Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (GT Quilombos/ABA)

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