sexta-feira, 11 de março de 2011

Ofensiva do capital contra os povos indígenas e camponeses



Atualmente a maior luta em que está envolvido é contra 
a megausina de Belo Monte, no rio Xingu, paraíso 
da bio e da sociodiversidade em plena Amazônia, agora 
ameaçado por esse projeto dos tempos da ditadura 
militar que foi atualizado e desengavetado pelo 
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde os anos 
80, Sevá publica estudos críticos ao projeto, 
demonstrando suas falhas e inconsistências.
Na entrevista a seguir, Sevá mostra que o atual cenário de 
conflitos socioambientais tem, na realidade, uma amplitude 
global, representando um desafio para os movimentos sociais de 
todo o mundo. E adverte: “A ameaça também é muito grave quando 
os intelectuais e políticos considerados de esquerda rezam a 
cartilha do capital, repetem os mantras ideológicos do 
capitalismo, e usam o seu capital político e cultural para 
amainar as criticas e flexibilizar os que pensam de modo 
autônomo, para isolar aqueles que simplesmente continuam 
resistindo à expropriação”.
Desinformémonos – É possível perceber na atualidade uma 
ofensiva de alcance latino-americano desses projetos de 
exploração de recursos naturais em terras comunitárias 
(camponesas/ indígenas) ?
Oswaldo Sevá – Sim, é uma ofensiva com grande preferência pelas 
Américas Central e do Sul, mas que também assola várias regiões 
da África, da Ásia e da Oceania. Mas é uma ofensiva global, pois 
envolve agentes econômicos e políticos de muitos países, agentes 
que raciocinam e decidem com o “mapa mundi” aberto numa grande 
mesa ou numa grande tela digital. É uma ofensiva capitalista, e 
não podemos omitir nem esquecer esse nome, porque se trata de 
tentar superar mais uma das grandes crises estruturais do 
sistema capitalista. No caso, dizem os estudiosos como Harvey e 
Arrighi, é uma crise de super-acumulação, uma crise financeira, 
uma demonstração exuberante da famosa lei da “queda tendencial 
das taxas de lucro”.
Por isso, os alvos preferenciais da ofensiva são as 
localidades e regiões com recursos naturais considerados 
estratégicos. E aí se criam projetos de investimentos 
considerados capazes de gerar taxas de retorno altas – o que 
obviamente depende de custos econômicos e de custos sociais, e 
depende da possibilidade de concretizar, novamente o “velho” 
mecanismo da acumulação primitiva, que nunca deixou de atuar.
Os grandes oligopólios que controlam a eletricidade e os 
equipamentos elétricos, os minérios e a metalurgia, o 
agronegócio, o petróleo e o gás, a celulose e papel, estão há 
algumas décadas estudando minuciosamente as possibilidades de 
novas fontes desses materiais e energias e esquadrinhando com 
métodos sofisticados os novos territórios onde produzir tais 
mercadorias. Anunciam investimentos similares ao mesmo tempo em 
todos os lugares, por exemplo, hidrelétricas para barrar todos 
os rios ainda barráveis em muitos países, incluindo até mesmo 
alguns dos países mais antigos e mais ricos, como os europeus. 
Por exemplo, anunciam a abertura de novas minas de ferro, 
manganês, ou de níquel, cobre, zinco, cromo, mas principalmente 
minas de ouro, prata, platina e metais mais raros como o nióbio, 
em várias regiões do mundo ao mesmo tempo.
O primeiro passo para conseguir concretizar cada um desses 
investimentos – ao contrário do que muitos argumentam, não é o 
financiamento, pois de algum modo sobra capacidade de investir 
no sistema global – é a conquista dos territórios. Que em geral, 
já tem ocupantes, donos e usuários anteriores, em alguns casos, 
muito antigos, grupos humanos secularmente estabelecidos. Suas 
terras devem ser agora “liberadas” para barragens, novas minas, 
ou grandes plantios de eucaliptos ou palmeiras ou soja, e 
estradas e ferrovias que os conectem ao mercado mundial. Aí, os 
moradores e os vizinhos desses locais escolhidos pelo grande 
capital devem ser expropriados e transformados em proletários, 
uma parte deles em assalariados, que somente conseguirão 
sobreviver no mercado e para o mercado. Essa é a ofensiva.
Desinformémonos – Como classifica o grau dessa ameaça?
Sevá – É muito grave, pois o sistema capitalista sob ameaça 
retoma suas origens autoritárias, as empresas gastam cada vez 
mais com a segurança do patrimônio, dos executivos e dos homens 
de campo, empregam cada vez mais intermediários da coação sobre 
os povos, informantes que na prática fazem contra-informação, 
rastreando os movimentos legítimos e libertários, a agem por 
meio de capangas para rastrear e intimidar esses dissidentes e 
resistentes. O capital se apossa ainda mais dos postos de 
governo nas três esferas – executiva, legislativa e 
principalmente no Judiciário.
Enquanto aumentar o poderio das grandes empresas, as duras 
conquistas democráticas serão corroídas e derrubadas, restando 
para a sociedade uma intoxicação de propaganda institucional, as 
empresas se auto-vangloriando, alardeando “responsabilidade 
social”, “sustentabilidade”. As mesmas corporações que dependem 
da expropriação e da violência usam o dinheiro publico, isenções 
de impostos para exercer o mecenato, patrocinar e usufruir da 
promoção de sua imagem nas atividades culturais, esportivas, 
musicais, cinematográficas, etc.
Desinformémonos – Quais os casos mais graves, em sua avaliação?
Sevá – Considerar situações sociais mais ou menos graves 
depende muito do acesso à informação sobre o que ocorre, o que é 
dificultado pela própria ofensiva comentada, e depende, claro de 
escalas de valor ético. Acho que são mais graves os casos que em 
que as pessoas estão sendo desalojadas à força, em que os 
antigos moradores, sejam indígenas, ou afro-descendentes, ou 
simplesmente famílias rurais e até mesmo pequenos proprietários, 
são removidos contra a vontade e vão para a diáspora, para 
“reassentamentos” quase prisionais, vão para as novas favelas 
das cidades.
São muito graves os casos em que o suprimento de água da 
população, ou o “Riego” secularmente compartilhado entre 
vizinhos ficou ou vai ficar comprometido em quantidade e 
qualidade. É fatalmente o que se passa na região onde são 
abertas minas de ouro, pois a mineração e a concentração do 
metal usam muita água, secam os lençóis, contaminam o solo , o 
subsolo e destroem ou envenenam os cursos d’água, diminuindo ou 
acabando com a pesca. E são igualmente graves os casos em que 
haverá fome por que se perdeu a terra de plantio, ou a mata de 
colheita e caça, o rio onde se pesca.
Desinformémonos – Porque a insistência dos governos em realizar 
grandes projetos hidrelétricos?
Sevá – A insistência que você pergunta existe, mas não é dos 
governos, é por meio dos governos. Ou seja, é uma insistência 
que tem origem na grande dependência que tem alguns setores 
industriais em relação à eletricidade para uso em seus processos 
produtivos, é o caso do alumínio, do cobre, do níquel, dos 
metais em geral, da celulose e seus produtos, de alguns ramos da 
química, como cloro-soda. Mais do que isso, é a insistência das 
empresas desses setores em reduzir na sua planilha de custos, o 
grande peso que tem a energia elétrica, e aí vão atrás de novas 
fontes que sejam “baratas”, ou seja, nas quais os custos 
fundiários, sociais, ambientais sejam reprimidos para baixo; e, 
principalmente, vão atrás de condições propícias à celebração de 
contratos lesivos aos países “anfitriões” desses projetos. Foi o 
que ocorreu há quase trinta anos com a eletricidade de Tucuruí 
no Brasil, e que está delineado agora com a eletricidade do rio 
Madeira.
Desinformémonos – Trata-se, realmente, de “energia limpa”, como 
se costuma dizer?
Sevá – Bem, sou professor na área de Energia há mais de vinte 
anos, me formei em Engenharia Mecânica. Posso responder de modo 
simples, fundamentado apenas na ciência da Termodinâmica, que é 
um ramo importante da Física, que estuda o calor e o frio, as 
máquinas que transformam as energias naturais em trabalho útil. 
Pela Termodinâmica, a energia não se cria, não é “gerada” como 
dizem os economistas, os políticos e jornalistas desinformados. 
A energia é apenas transformada de um tipo em outro, 
sucessivamente. O montante total se conserva e em cada 
transformação uma boa parte de perde, se degrada, não podendo 
ser novamente obtido o mesmo total de trabalho útil. Por tanto, 
não existem energias “renováveis”.
De modo similar, existe a lei da conservação da massa e dos 
fluxos de massa, das vazões: tudo que entra num sistema tem que 
sair, de um modo ou de outro; se sair menos é porque se acumulou 
lá dentro, se sair mais é porque havia um estoque que foi usado.
Portanto, não há como produzir nada de forma “limpa”; toda 
operação produtiva produz resíduos sólidos, líquidos ou gasosos 
. Mesmo uma hidrelétrica construída em cima de um solo estéril 
emitirá vapor d’água por causa da insolação e da evaporação e 
gases da fermentação da matéria orgânica trazida pelo rio. Se a 
represa de uma hidrelétrica tiver vegetação na área alagada, 
produzirá muitos gases de fermentação, do apodrecimento dessa 
vegetação, inclusive o gás metano, que é um dos gases que 
desequilibra o efeito-estufa natural do planeta.
Insisto na resposta: não há nada renovável, nada limpo.
E vou além: mesmo que tecnicamente fosse possível, esses 
valores nunca nortearam o capitalismo. Se assim fosse, nunca 
teriam existido na proporção de hoje os depósitos de lixo 
urbano, o lançamento de esgoto bruto nos rios e litorais, a 
poluição do ar, a contaminação do solo com resíduos perigosos.
Desinformémonos – Quais os interesses estão, geralmente, 
ocultados aí?
Sevá – Transformar o interesse dos oligopólios e a luta deles 
pela sua permanência e crescimento em um valor geral, em 
interesses de toda a sociedade. A meta privada travestida em 
objetivo público. A não explicitação do vinculo intimo entre os 
“políticos” e os “ empresários”, entre a Política e a Economia; 
e por aí vamos nesse período histórico que mais parece uma 
“Idade Média” obscurantista: Estado fica sob o foco o tempo 
todo, e as Empresas estão “fora do alvo”… No caso brasileiro, a 
eletricidade, a mineração, a siderurgia, o petróleo, dentre 
outros, são os setores civis onde a ditadura militar continua, 
se aperfeiçoa, renova os quadros e a mentalidade dominadora, 
antidemocrática.
Desinformémonos – O discurso em favor desses empreendimentos 
(mineração/ energia/ transportes) que afetam terras de 
populações camponesas/tradicio nais em geral opõe um “interesse 
nacional” à resistência de uma “minoria que não pode prejudicar 
o desenvolvimento para uma maioria” – sem falar em recorrentes 
componentes xenófobos/conspirató rios que apelam a uma “suposta 
ameaça estrangeira”. Esse discurso se sustenta?
Sevá – Isso tem a ver com o que eu dizia. É uma tentativa 
obsessiva de dissimulação, uma espécie maligna de 
auto-desconstrução: acusar os outros de fazerem aquilo que as 
próprias corporações fazem. Numericamente são, sim, minorias que 
moram nos territórios escolhidos para os projetos de 
investimento; mas os beneficiários não são a maioria do país, e 
sim as minorias mais ricas, os grandes proprietários, o sistema 
financeiro. Porque o sistema não desconcentra com esses 
investimentos e, sim, concentra terras, patrimônios, rendas, 
tudo.
Conhecemos aqui no Brasil esse tipo de discurso maligno: é o 
discurso dos dirigentes da nossa Agência Nacional de Energia 
Elétrica, do nosso Ministério de Minas e Energia, da tropa de 
choque da “dam industry”. Ficam difundindo essa coisa de 
“investimento estruturante”, “estratégico”, falam em “segurança 
energética” – expressão que vem dos EUA, com sua dependência de 
petróleo importado. E daí preparam o terreno para uma 
desregulamentação total,para o licenciamento acelerado e 
garantido de qualquer obra, ou melhor ainda, para que se possa 
qualquer coisa sem licenciamento.
O “componente xenófobo” que você menciona, acho que é a 
hipocrisia ao extremo, uma manobra retórica inteligente a curto 
prazo, funciona para a opinião publica de tendência direitista e 
uma parte dos patriotas mesmo de esquerda. No caso da Amazônia 
brasileira, os territórios já estão sendo internacionalizados 
pelo capital e pelas Forças armadas e de inteligência dos países 
mais fortes, que tudo monitoram. E também pelos biopiratas, 
pelos compradores de terras e de florestas. Mas não se pode 
negar que atuam também ONGs e missionários de Igrejas que de 
fato, fazem o jogo das multinacionais.
Desinformémonos – Quais os cenários que se descortinam em 
relação ao quadro?
Sevá – A situação futura será mais grave onde a população está 
hoje mais desinformada, desmobilizada, manipulada por coronéis à 
moda antiga, ou então, amedrontada por um passado de repressão. 
Mas a ameaça também é muito grave quando os intelectuais e 
políticos considerados de esquerda rezam a cartilha do capital, 
repetem os mantras ideológicos do capitalismo, e usam o seu 
capital político e cultural para amainar as criticas e 
flexibilizar os que pensam de modo autônomo, para isolar aqueles 
que simplesmente continuam resistindo à expropriação.
Aí o Brasil da década de 2010 será um anti-exemplo, o Brasil 
que foi presidido durante oito anos por um ex-sindicalista, 
eleito pela esquerda, embora não tenha feito um governo de 
esquerda, um país que agora elegeu presidente – apesar de uma 
grande soma de abstenção e voto nulo e branco – a “mãe do PAC”, 
a senhora-propaganda (pois não pode ser mais uma 
garota-propaganda) da “Aceleração do Crescimento”.
É incrível o realismo da linguagem, pois nem se coloca 
mais o desenvolvimento como conceito-chave, e sim o crescimento. 
Crescer somente não basta, como se 3 ou 4 % ao ano não fosse já 
uma vitoria num mundo em crise, isso tem que ser “acelerado”. A 
idéia da aceleração é exatamente o que o sistema busca 
desesperadamente – contrariar a queda da taxa de lucro, obter 
retornos, lucros extraordinários.
Voltamos assim à primeira resposta: a ofensiva é para tentar 
desafogar o excesso de capital. Por causa da desigualdade, do 
dogma anti-distribuição, da despesa crescente do próprio ato de 
comandar e preservar privilégios, o capital encontra cada vez 
mais impossibilidade de se realizar fechando o ciclo da 
acumulação.




Entrevista com Prof. Oswaldo Sevá
Publicado em domingo, 06, fevereiro, 2011 23:21:43 por União 
- Campo, Cidade e Floresta
do site Desinformemonos

Engenheiro e doutor em geografia, o professor Oswaldo Sevá tem 
sido, nas universidades brasileiras, um dos principais aliados 
dos movimentos sociais em suas lutas contra os grandes 
projetos de “desenvolvimento”, como usinas hidrelétricas, 
minas e estradas. Trata-se de empreendimentos que ele, em seus 
cursos na Universidade de Campinas (Unicamp), chama de 
“conflitos atuais da acumulação primitiva”.

POR SPENSY PIMENTEL

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