sábado, 25 de dezembro de 2010

Histórias de enriquecimento de um Colarinho Branco Orestes Quércia.

São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002
SENADO

Quércia declara à Justiça Eleitoral ter bens no total de R$ 64,8 milhões, contra R$ 9,8 milhões em 1996

Patrimônio de Quércia aumenta 562%


FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O patrimônio do candidato a senador Orestes Quércia, 63, aumentou 562% nos últimos cinco anos. Os bens declarados pelo presidente do PMDB ao Tribunal Regional Eleitoral, em junho último, totalizam R$ 64,8 milhões.
Eram R$ 9,8 milhões em 1996, quando o Ministério Público do Estado de São Paulo tentou bloquear os bens do ex-governador paulista, a título de garantir o ressarcimento de supostos prejuízos ao erário durante sua passagem pelo governo estadual (1987-91).
O patrimônio do empresário Orestes Quércia corresponde a algo como o faturamento diário dos shopping centers paulistas. Duas operações recentes contribuíram para essa evolução patrimonial: R$ 20 milhões registrados como "crédito para aumento de capital" da Sol Invest, sua empresa de participações, e R$ 26,5 milhões como "crédito a receber" da Infoglobo Comunicações Ltda., empresa das Organizações Globo.
Em 2001, Quércia vendeu ao grupo do empresário Roberto Marinho sua participação na Empresa Jornalística Diário Popular Ltda. (cujas cotas declaradas no Imposto de Renda de 1996 correspondiam a apenas R$ 330 mil).
Na ocasião, a Folha apurou que o negócio foi fechado por R$ 200 milhões, tendo as Organizações Globo assumido dívidas da empresa no total de R$ 100 milhões.
O candidato também informou ao TRE a aplicação de R$ 5,4 milhões em títulos de renda fixa no BCN (R$ 115,4 mil em 1996). Procurado pela Folha, Quércia não quis se manifestar.
Bem-sucedido nos negócios privados quando esteve fora da administração pública, o ex-governador de São Paulo volta a disputar uma eleição após ter sido acusado de quebrar financeiramente o Estado. Ele enfrentará mais uma escolha nas urnas após ter amargado uma fragorosa derrota na campanha presidencial de 1994, na qual obteve 4% dos votos, quando os próprios correligionários levantavam dúvidas sobre a origem de sua fortuna.
Seu êxito como empresário o desautorizaria a criticar -como novo aliado do PT- a política econômica do governo, acusada de inibir investimentos privados.
Em 1996, Quércia declarou um rendimento anual de aproximadamente R$ 722 mil. Ou seja, no período 1996-2001, teria havido um acréscimo patrimonial de mais de R$ 10 milhões por ano.
As declarações registram a venda (ou transferência para outro sócio) de 180 mil cotas de sua mulher, Alaíde Quércia, na Sol Invest Administração e Participações, no total de R$ 2,2 milhões.
No período analisado, foram alienados imóveis registrados com os seguintes valores: sítio Santa Rita, de 10 alqueires (R$ 17 mil, em 1996), parte do sítio Boi Morto, de 9,61 alqueires (R$ 18,2 mil), sítio Granada, de 32,4 alqueires (R$ 55,1 mil) e Fazenda Santa Terezinha, de 15,5 alqueires (R$ 26,3 mil), todos em Pedregulho. Curiosidade nas declarações é a propriedade de um único veículo, um automóvel Volkswagen, ano 1980, avaliado em R$ 2,7 mil (anteriormente, assessores de Quércia informaram que a família só usa carros alugados).
Para comparar os bens de Quércia, a Folha submeteu à análise de auditores privados a declaração de bens oferecida pelo candidato ao TRE e cópias das declarações do Imposto de Renda de 1997 e 1996 (anos-base 1996 e 1995) juntadas a uma ação civil pública movida contra o ex-governador.

São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002
OUTRO LADO

Candidato não se manifestou sobre o assunto
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos 15 dias, a reportagem da Folha fez vários contatos com a assessoria de Orestes Quércia, informando-a do teor da reportagem e solicitando entrevista com o candidato ou seus advogados.
Na última quarta-feira, o assessor de imprensa do candidato, Chico Vasconcelos, prometeu agendar um encontro da reportagem com o advogado de Quércia, o ex-secretário paulista da Fazenda José Machado de Campos Filho, e marcar eventual entrevista, depois, com o próprio Quércia, o que não ocorreu.
Na sexta-feira, o jornal voltou a procurar o candidato do PMDB, tendo dado vários telefonemas para o seu escritório político em São Paulo.
Até o encerramento desta edição, não houve nenhuma manifestação do ex-governador ou de seus advogados. (FV)
São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002
Ex-governador é investigado na área civil


DA REPORTAGEM LOCAL

Liminar do STJ (Superior Tribunal de Justiça), proferida em 1997, suspendeu o arresto de bens do ex-governador Orestes Quércia.
Suas propriedades encontram-se livres e desembaraçadas dessa restrição.
Em 1994, o STJ já rejeitara denúncia de estelionato no inquérito sobre as importações de equipamentos israelenses para as universidades e polícias de São Paulo, compras superfaturadas no total de US$ 310 milhões feitas sem licitação durante o seu governo e reveladas pela Folha.
Quércia safou-se de outras investigações, mas não procede a afirmação repetida de que nada deve à Justiça, opinião reafirmada pelo candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao dizer que desconhece qualquer condenação do novo companheiro de palanque.

Cerca
Em maio de 2000, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão de primeira instância que condenara Quércia a reparar danos causados ao patrimônio público pela construção indevida de uma cerca na Fazenda Nossa Senhora Aparecida, de sua propriedade, em Pedregulho, quando foram utilizados materiais e serviços do Departamento de Estradas de Rodagem. Ainda cabe recurso.
Quércia também é um dos réus em ação civil pública que tramita na 9ª Vara da Fazenda Pública, em que é pedida a anulação do contrato com a Trace Trading Company e Sealbrent Holdings Ltd., intermediárias das importações superfaturadas de equipamentos de Israel destinados à Unesp. O Ministério Público Estadual pede que os réus sejam condenados a repor ao patrimônio o equivalente a US$ 40 milhões (valores da época).

Baneser
Quércia ainda é alvo de inquérito civil que apura a importação, sem licitação, de equipamentos israelenses, no total de US$ 70 milhões, para a USP e Unicamp.
Quércia também é réu em duas ações civis públicas em que foi pedida a devolução aos cofres públicos dos gastos com a contratação de pessoal, sem concurso público, pelo Baneser (Banespa S/A Serviços Técnicos e Administrativos) e pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), durante seu governo. (FV)

São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002
Empresário não deve à Receita


DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pesquisa cadastral na internet confirma que o contribuinte Orestes Quércia e suas empresas estão quites com o "leão" da Receita Federal.
Ao longo de sua carreira política, o ex-governador foi alvo de várias investigações sobre o seu patrimônio.
"Sou, de longe, o político mais investigado da história do Brasil", dizia Quércia, em 1994, no auge das suspeitas sobre a origem de sua fortuna pessoal.
Em 1977, no governo do general Ernesto Geisel (1974-79), Quércia teve seus bens bloqueados em inquérito militar instaurado para apurar o seu enriquecimento.
Uma CGI (Comissão Geral de Investigações) examinou as declarações de Imposto de Renda de Quércia, de 1964 a 1973, por suspeita de sonegação e enriquecimento ilícito no exercício de cargos públicos.

Depoimento
Em depoimento à Justiça, em 1994, o presidente Geisel disse ter informações de que Quércia, quando exercia o mandato de senador (1975-82), negociou com o governo militar para não ser cassado sob a acusação de sonegação e enriquecimento ilícito. Quércia negou o fato, depois.
O general da reserva Luiz Sellmann, vice-presidente da CGI, afirmou, em juízo, que o rendimento declarado por Quércia era insuficiente para justificar o crescimento de seu patrimônio.
"Nós calculamos um imposto sobre a renda que não foi declarada e ele pagou sem reclamar", disse o general à Folha, em 1994.

Multa
O jornal informou que no ano anterior as empresas de Quércia haviam sido multadas em US$ 1 milhão pela Receita Federal, por erros de cálculos nos balanços e não por sonegação.
Na ocasião, também havia sido investigada -e multada- a Rio Construtora, de José Nunes Lopes, o "Zé Português", sócio de Quércia entre 1980 e 1988.
Em 1977, então senador pelo MDB de São Paulo, Quércia submeteu suas declarações do Imposto de Renda a uma empresa de auditoria (a Revisora Nacional Auditores Independentes), que considerou seus rendimentos compatíveis com seu patrimônio.

Explicação
Em janeiro de 1994, Orestes Quércia compareceu à direção nacional do PMDB para novamente explicar a origem de seu patrimônio.
Ele encomendara à Trevisan Auditores e Consultores uma revisão das declarações de renda (apenas pessoa física), entre 1966 e 1992.
A Trevisan atestou que as obrigações haviam sido cumpridas e que os rendimentos declarados eram compatíveis com o acréscimo patrimonial.
O relatório foi distribuído pela assessoria de Quércia e divulgado como se houvesse sido realizada uma ampla auditoria dos negócios do empresário. (FV)

São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002
Sócios saem, e família controla empresas


DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-vereador e ex-prefeito de Campinas, ex-deputado estadual, ex-senador, ex-vice-governador e ex-governador paulista, Orestes Quércia montou um império com negócios nas áreas de comunicações (jornais, rádio e televisão), agricultura, mercado imobiliário, construção, loteamentos e comércio de veículos.
A partir de alterações societárias, e com a retirada de alguns sócios nos últimos anos, as empresas do candidato a senador estão registradas na Junta Comercial no nome de Quércia e de parentes.
Quércia é o principal acionista e diretor-presidente da Sol Invest Administração e Participações, da qual também são sócios o seu pai, Octávio Quércia, 92, a sua mulher, Alaíde, e a irmã, Maria Alice.
Quércia e seu pai são sócios na Editora Jornal de Hoje. Juntos com Alaíde são sócios na Empresa Jornalística e Editora Regional.
Em 1996, retiraram-se da Televisão Princesa D'Oeste de Campinas os sócios Paulo Machado de Carvalho Filho, José Blotta Júnior e Natal Gale. Em 2000, também deixaram a sociedade Orlando e Almira Negrão. Os atuais titulares são Quércia e Alaíde.
Quércia (representando a Sol Invest) e sua mulher controlam a Diário Comercial e Publicidade Ltda. (ex-Diário Popular Comercial e Publicidade Ltda., é a empresa que edita em São Paulo o jornal de economia "DCI -Comércio, Indústria e Serviços").
O casal também detém o capital da editora Panorama Brasil, o da Rede Central de Comunicação e o da RCC Vídeo Produtora Ltda., além da TV do Povo, com sede em São Vicente (SP).
Em 2000, retiraram-se da TV do Povo os sócios Edson Higo do Prado e o publicitário Chico Santa Rita, que durante muitos anos foi responsável por campanhas de televisão de Quércia. Ele rompeu com o ex-governador em 1997.
Na rádio Nova Brasil figuram como sócios Quércia e as filhas Andréia (15) e Cristiane (16).

Negociante precoce
Nascido em Igaçaba, distrito de Pedregulho (SP), em 1938, Quércia era vendedor de melancias aos nove anos.
Aos 14, comprava bicicletas usadas para reformar e vender. Aos 18, tinha uma mercearia, em Campinas.
Ainda na juventude, foi dono de uma fábrica de fubá e de uma pequena indústria de compotas de mangas.
Mais tarde, compraria um consórcio de veículos. Com o dinheiro, adquiriu uma fazenda em Pedregulho.
Sua fortuna cresceria ao comprar a primeira imobiliária e investir na venda de loteamentos.
Segundo adversários, Quércia comprou terrenos em áreas da periferia que seriam valorizadas, depois, por projetos urbanos da prefeitura administrada por ele. Quércia nega essa versão.
(FV) 

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