segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Políticos e empresários roubam milhões, mas é o MST que vai para a cadeia

 

8 de fevereiro de 2010

Por Marcos Antonio Pedlowski*
Uma suposição básica para a vigência plena da democracia é que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Aliás, esta consigna está consagrada na atual Constituição Federal, mais precisamente no seu Artigo. 5o. Por outro lado, a ausência de um sistema legal que seja capaz de aplicar cotidianamente este principio é uma prova inequívoca de que há algo de errado com a materialização da democracia no nosso cotidiano. Bom, se o que enunciei acima for mesmo verdade, a democracia brasileira está gravemente enferma. Por um lado, temos assistido até com alguma incredulidade o desfilar de casos rumorosos de corrupção, que incluem lideranças políticas e grandes empresários, enquanto por outro, membros de movimentos sociais são mandados para a cadeia sem sequer terem sido acusados de qualquer crime.
Só para utilizar exemplos recentes, tomemos o caso do governador e dos deputados distritais de Brasília, que foram flagrados e filmados escondendo dinheiro arrancado dos cofres públicos em peças do vestuário intimo. Passado algum tempo do acontecido, nenhum dos envolvidos foi sequer levado à delegacia para explicar a origem e o destino de quantias vultosas que chegaram às suas mãos, meias e cuecas, seguindo um percurso onde a maior prejudicada é a população pobre da nossa capital federal. Não bastassem as evidências mostradas em rede nacional sobre o caso de Brasília, poderíamos pegar outro caso onde fica evidente uma curiosa inversão de valores. Falo aqui do caso envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, o foco da hoje quase esquecida Operação Satiagraha, que foi julgado e condenado pelo envio ilegal de dólares para paraísos fiscais, apenas para ter seu caso “congelado” e a pena aplicada suspensa. Enquanto isto, o juiz Fausto de Sanctis, responsável pelo caso, tem sido obrigado a se defender nas esferas disciplinares do Judiciário, aparentemente por ter ousado aplicar os rigores da lei contra uma figura tão proeminente. Mas se até aqui não tiver ter deixado claro o que quero demonstrar, vejamos então o caso que envolve a suspensão de todos os processos e inquéritos derivados da Operação “Castelo de Areia” da Polícia Federal que investigou crimes financeiros da construtora Camargo Corrêa, onde controles da própria empresa apontaram para o pagamento de propinas a políticos de alto escalão. Neste caso, a suspensão se deu porque supostamente a Polícia Federal teria se excedido no uso das autorizações que possuía para investigar os crimes cometidos pela Camargo Corrêa.
Essa sensação de que a justiça não é cega no Brasil assume proporções mais palpáveis se examinarmos o que acontece atualmente em relação aos ativistas sociais que ousam afrontar a ordem vigente. Graças a uma poderosa campanha midiática, estamos a algum tempo numa óbvia temporada de caça aos militantes do MST em todo o território nacional. A repressão policial e legal aos seus militantes e simpatizantes pode ser vista tanto por toda parte. E em muitos dos casos que estão vindo a público, ficamos sabendo que a polícia e órgãos judiciais estão usando o argumento de que as prisões possuem caráter preventivo. E o interessante é que num caso ocorrido no Pará, as prisões que alcançaram o MST ocorreram devido à ocupação de uma fazenda composta por terras griladas pelo grupo econômico controlado por Daniel Dantas, aquele mesmo que fora condenado pela remessa ilegal de dólares.
Outro caso emblemático do tratamento de mão-de-ferro que o MST recebe é o caso das terras griladas pela empresa Cutrale no município de Iaras em São Paulo. A partir de uma ocupação onde uma quantidade irrisória de pés de laranja em relação ao número total de pés plantados em terras da União foi arrancada, montou-se um forte esquema policial e judicial para prender lideranças e simpatizantes do MST, ensejando inclusive uma ação que envolveu a prisão em massa dos que foram ocupar as terras públicas griladas pela Cutrale. A explicação para o encarceramento coletivo foi inclusive singela: impedir que os presos atrapalhassem as investigações, como se isto fosse possível a agricultores humildes e lideranças sociais que normalmente vivem ocupadas com tarefas que deveriam estar sendo cumpridas pelo Estado para começo de conversa.
Mas num gesto que escancara o tratamento diferenciado que se dá a políticos e empresários corruptos em relação à multidão de pobres que existe no Brasil, a polícia do governo José Serra informou que os presos responderão por furto qualificado, dano qualificado, esbulho possessório (retirada violenta de um bem alheio) e formação de quadrilha. E é obvio que não houve por parte das autoridades policiais qualquer menção ao fato de que o governo federal possui documentos comprovando a ocupação ilegal das terras públicas pela Cutrale. Aliás, tampouco houve qualquer manifestação por parte de órgãos do judiciário acerca das medidas legais que estariam sendo tomadas para reverter o esbulho que aquela empresa comete há anos contra o Estado brasileiro ao ocupar terras públicas.
Enquanto este tratamento tão desigual perdurar, resta-nos lembrar da lapidar frase colocada por George Orwell na sua obra “Revolução dos Bichos”: todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.
* Marcos Antonio Pedlowski é professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense
 

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