segunda-feira, 30 de março de 2009

O alpiste e o canarinho



O diálogo acima (1), embora somente gravado pela Polícia Federal (PF) antes das eleições de outubro do ano passado, tem mais de 50 anos. Não menos anciã é a fala do diretor da Camargo Correa ao explicar ao intermediário em Brasília que a lista com a s doações está “numa pasta de eleições”, onde “tem todos os caras que foram pagos” (...), “inclusive a colaboração oficial”. Com sua conclusão: "Tem as duas, tá?"

Faz mais de 50 anos que se sente no ar o mau cheiro dos “indícios robustos” da existência de doações políticas, legais e ilegais, como revelado nesta semana pela procuradora Karen Kahn. O fedor é o mesmo que exalam Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez. O mesmo que empestam o ar os atuais partidos políticos envolvidos. Do mesmo modo como antes catingavam PSD, UDN e, depois, a ARENA.

Além dos novos e sofisticados instrumentos de transferência de dinheiro para burlar uma lei cada vez mais atenta, nenhuma novidade existe. Nem a forma como essas empresas apossam-se do poder e capturam a alma dos seus principais ocupantes. Todos fisgados pela mesma ansiedade flagrada num dos doleiros na operação da PF, a cantar para o diretor da empreiteira: "Professor, o canarinho aqui está precisando de alpiste".

A novidade? A provável participação da vetusta Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) na intermediação do fluxo de propinas para políticos (2). Sua pronta reação negando o fato faz coro com a “perplexidade” da Camargo Correia diante da “invasão” de sua sede pela PF em São Paulo. Uma defesa reativa igual a do PSDB, PPS e DEM. Todos receberam doações em angelical “acordo com as leis do país”.

A surpresa? A ninguém é dado o direito de criticar as defesas imediatas dos partidos envolvidos ou dos senadores José Agripino Maia (DEM-RN) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que atribuíram a um “viés político” a denúncia pela PF das mal explicadas doações recebidas (3). A surpresa se deu pela aguerrida defesa das doações da construtora, feita pelo ex-presidente FHC: “pelo que vi, era legal, não tinha nada de irregular".

Fernando Henrique Cardoso ironizou a ausência do PT na lista de doações da Camargo Correia: “Só a partezinha da oposição que aparece" (4). O ex-presidente “suspeita” dos resultados da Operação Castelo de Areia da PF com o mesmo descaso com que tratou a instituição ao longo dos seus dois mandatos. No seu tempo, as atividades de combate à corrupção eram sufocadas no nascedouro e jogadas sob os tapetes do Planalto.

A surpresa menor ficou por conta do ministro falastrão Gilmar Mendes. Ele voltou a criticar nesta sexta-feira a Polícia Federal ao dizer que as grandes operações "criam um cenário de terror", ameaçam institucionalizar “um modelo anormal no Brasil". (5) Esquece o linguarudo que anormal é desfavorecer a credibilidade do Supremo com decisões de risco, como no caso do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.

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